terça-feira, 16 de outubro de 2018

[Conto] Quebra-galho, de Leandro Dupré


Quebra-galho



            — Deus salve a Rainha, misericórdia!
            Ah!!! Ah... Como assim? Caramba, que susto: felizmente foi só um sonho.
            Puxa, mas a cena segue muito nítida de tão aterrorizante: estava eu cumprindo a minha dura jornada como mordomo real a polir toda a refinada prataria do palácio quando eu ouvi o estalido. Não podia ser outro. Mesmo muitos andares acima eu poderia escutar aquela sagrada porta sendo violada.
            Deslizei degraus abaixo e só então percebi que não havia deixado a chave facilmente à mão. Mas não sei porque me preocupei com isso afinal: de fato a porta já tinha sido aberta. E a imaculada estátua do macaco de esmeralda não estava lá.
            Deus me livre de roubo tão pernicioso, não posso nem pensar numa coisa dessas. Por mais apreço que a Rainha tenha pelos meus quarenta anos de serviço, ainda assim ela não conseguiria me perdoar. A Majestade venera esse macaco tanto quanto a própria vida ou senão não manteria a chave da sala que o protege somente comigo e com mais alguns poucos familiares. Mas entre eles e eu você já sabe para quem iria sobrar...
            Ainda lembro do dia que a Rainha me chamou de lado para entregar a chave: ela contou que há vários anos havia recebido uma visita de um renomado sheik árabe interessado em fechar um importante contrato petrolífero. Com a ideia de selar uma parceria mais rentável que a realizada pelos países vizinhos, a realeza logo tratou de aprovar a proposta. E, apesar do expressivo sucesso do acordo, o grande saldo positivo para a Majestade foi o imponente presente que recebeu: um macaco sentado na posição de lótus com as mãos em formato de viseira ao redor dos olhos como se tapasse a luz solar para poder enxergar mais adiante. E o melhor, todo feito de valiosas esmeraldas da mais fina espécie. O sheik explicou que este era um símbolo de boa sorte, o olhar à frente do símio denotaria a capacidade visionária do reinado. Sendo assim, a Rainha não demorou em preencher uma das várias câmaras secretas (secretas até de nós, empregados) presentes no castelo. E agora eu acabava de ser nomeado como um dos guardiões da principal fonte de bem-aventurança de todo o país.
            Mas devo confessar: desde o início eu não me identifiquei muito com esse macaco. Apesar de a Rainha admirar toda a sua simbologia, até hoje eu não consigo perceber a mensagem do sheik por trás daqueles olhos petrificados. Eles me parecem irônicos, zombeteiros... Parecem debochar de tudo à minha volta. Como se suas mãos ao redor dos olhos me dissessem “Lero-lero, você não me pega!”.
            Eu dou de costas, tento afastar esses pensamentos tolos e me concentrar na limpeza do recinto. Mas então fica ainda pior: é estranho. Eu sinto que o macaco fica me chamando, pedindo para que brinque com ele. Nessas horas sempre tenho a angustiante impressão de que as suas mãos resolveram tapar os seus olhos só para me obrigar a virar e pegá-lo desprevenido. Porém, quando vejo, o macaco está sempre com os dedos em forma de viseira, aparentando caçoar ainda mais da minha cara.
            Mas por que estou pensando nisso tudo a essa hora da madrugada? O sonho já acabou, é bom começar a dormir de novo porque o dia amanhã será bem pesado.
            Ah, boa noite...
Droga, este lado não está bom, vira!
Vixi, ainda pior, vira!
Vira, vira, vira e a ideia continua me atormentando, diacho!
Olha que eu não sou um homem muito supersticioso. Mas este sonho não pode ter sido um sinal? Será que estão planejando fazer algo contra o macaco justo nesta noite? Ah, que droga, a curiosidade não vai me deixar descansar. Vou dar só uma olhadinha rápida, só para garantir.
Acendo as luzes? Melhor não, pode chamar muito a atenção dos outros. Evito fazer barulho? Acho que sim, se alguém despertar por causa disso vão achar que já estou ficando caduco ao perambular sozinho no meio da madrugada.
Vamos lá, primeira porta... Ok! Mais um pouquinho, vamos. Segunda porta... Opa!
Fez um barulhinho ao abrir. Quase imperceptível, mas fez.
Será que alguém ouviu? E agora? Ai, melhor correr mais com isso.
Esses ruídos podem justamente ter alertado o suposto gatuno. Ele já sabe que vou para lá. Preciso ser rápido, mais rápido!
Pronto, aqui cheguei! Pelo menos a porta estava trancada, isto já é um bom presságio.
Entro com impaciência na sala e... Ufa, lá está ele.
Missão cumprida, seu sorriso maroto está a salvo.
Está mesmo?
Se o assaltante estiver me vigiando vai somente esperar que eu suba para então executar o seu furto. Simples assim. Eu não posso facilitar a vida desse larápio. Tenho que encontrar um lugar mais seguro para o macaco.
Puxa, mas como você é pesado! E não fique olhando assim para mim, eu estou apenas zelando pela sua segurança. Se não me engano a Rainha afirmou algo sobre existir uma sala depois desta que poderia ser usada em casos de emergência. Mas como era mesmo que se chegava a ela? Deixa eu ver, deve estar por aqui em algum lugar...
Claro! Era o termômetro que tem um botãozinho minúsculo!
É isso aí, liberei a passagem. Pode ficar tranquilo, macaquinho, você vai ficar bem...
— O que significa isso, James?!
Quê?! O que a Majestade está fazendo aqui a essa hora junto com Andy e Robert, dois guardas reais?
— Eu sabia, eu sabia que a minha intuição ainda estava apurada — explicou a Rainha. — Acordei sobressaltada com a nítida impressão de que afanavam o meu precioso macaco.
— Vossa Majestade também sonhou com isso?
— Pois sim. E vejo que estava certa. Bem que os outros me alertaram que você não andava bom da cabeça, James, mas nunca imaginei que tivesse perdido completamente o juízo. Guardas, levem-no!
— Não, não!!! Vocês entenderam tudo errado!
Mas os seguranças logo me imobilizaram com facilidade. E devolveram à Rainha o macaco de esmeralda, que me deixava exibindo um sorriso ainda mais irônico e diabólico.

Leandro Dupré Cardoso é administrador e escritor, autor dos livros de ficção "A era i-Racional", "O rico, a velha e o vagabundo", entre outros.

quinta-feira, 27 de setembro de 2018

[Conto] Espontaneidad, de Sebastian Ocampos


Espontaneidad*



¿Quieres? Al parecer, a veces todo se resume a esta pregunta. ¿O no? Cuando subió, caminó a paso lento, como si estudiara cada movimiento, y se sentó dos lugares antes de llegar al fondo, donde yo me encontraba. Entre ambos había un asiento para dos personas. Luego ella se puso de pie y, con los grandes y oscuros ojos, fijos en los míos, se sentó en el lugar que antes servía de límite entre nosotros. Yo viajaba pensando en ti, siempre en ti. Lo digo en serio. No te burles. Estoy tratando de contarte lo que me ocurrió de mañana. Mi mirada estaba anclada en la nada cuando ella se volvió a mí y, con unas galletitas de salvado en la mano derecha blanca, pequeña, preguntó: ¿Quieres? Imagina qué le respondí. Sí... gracias. ¡Qué fácil lo puede hacer una mujer! Cuando yo te pregunté si querías estar conmigo, todo se complicó. En cambio, si tú lo hubieras hecho... Entre palabras, risas, miradas y galletitas, la invité al departamento. Era una colegiala. Ésas aceptan antes de que se las invite. Cuando entramos, se dedicó a pasarle la vista a lo que se encontraba allí: libros, fotografías, discos, cuadros, afiches de filmes..., sin darle importancia a nada. Preguntó qué haríamos. Nada que no quieras, contesté. No sabía qué ofrecerle. Hacía tanto tiempo que no estaba con mujeres menores de edad. ¿Menores de edad? Sí, menores de edad que yo. Debo aceptarlo: estoy maduro, ¿o mablando? No lo sé. Me parece que estoy más blando, pues me siento más tierno, suave y… aunque sea innecesario decírtelo, ando cediendo con más facilidad al tacto. Tomé dos cervezas de la heladera e invité una a la chica. La aceptó. Ya lo dije: aceptan antes de que... Puse el Urban Hymns en la disquera del equipo de sonido. Las canciones de ese álbum podrían ser la banda sonora de mi vida. Bitter Sweet Symphony se hacía oír con suavidad. Ella la escuchó y murmuró que The Verve le encantaba. La miré y seguí bebiendo la cerveza a sorbos. El track uno terminó y las primeras notas de Sonnet ambientaron la sala. Me acerqué a ella, ansiosa en una esquina del sofá, y deslicé mis ojos por su cuerpo. Es bastante linda, pensé. Sonreía tontamente, como toda adolescente. Levanté el brazo derecho y mi mano se dirigió hacia su rostro bonito, tierno, quizá aún inocente, para acariciarlo y ella lo acercó y... ¿Qué? ¿Sucedió algo más? No… nada. Rechacé las galletitas. ¿Te das cuenta de que soy espontáneo? Puedo contar natural y fácilmente una historia inventada. Tú no podrías hacer esto. Eres inespontánea. ¿Inespontánea? No suena mal. Es más, me gusta la palabra. No me mires así, por favor. Sólo es una broma. Mejor escuchamos un disco, ¿sí? Tengo ganas del Urban Hymns. Primero Lucky Man… soy muy afortunado por estar contigo ahora. Esperé demasiado tiempo tu respuesta. Tengo que... debo contarte algo: no eres el único afortunado. Ayer, cuando salí del trabajo, fui a la vinatería de tu amigo. No te enojes. Estaba estresadísima. Sólo quería beber un poquito de sauvignon blanc y largarme, porque estaba realmente muerta. Entré y me senté. Al rato, tu amigo se acercó a mi mesa con una botella y dos copas, ofreciéndome una, ya cargada. ¿Quieres?, me dijo. Simpático, ¿no? Tienes razón: a veces todo se resume a esa pregunta. Me miraba como nadie lo había hecho antes. Él no sabe que nosotros empezamos una relación, ¿verdad? Sentí que me temblaban los ojos y traté de decirle que no quería. No sé por qué no le dije nada. Me fijé en el vino y…, no lo creerás, ¡era un pinot noir! Te dije que no lo creerías. ¡Un pinot noir! Y tú, mejor que los demás, sabes cuánto me gusta ese vino. Es de-li-cio-so. Mi paladar se negó a rechazarlo. Mientras conversábamos tomábamos y el estrés que me estaba matando desapareció por completo. Ya me sentía un poco ebria al acabar la botella. Él lo notó y me invitó a su casa, a pocas cuadras. Fuimos caminando. Al llegar quiso besarme... Y sabes que cuando estoy ebria me dejo llevar; en nada pienso, sólo me dejo llevar. No pude resistirme. No quería resistirme. Entramos abrazados y besándonos como si fuéramos los amantes más ardientes del mundo. Él trataba de desvestirme y lo hacía muy bien... Yo no lo detuve. Espera un momento. Suficiente. ¿Estás contándome así, como si nada, que ayer estuviste con mi amigo? No... en realidad, nada de eso pasó. Ayer, cuando salí del trabajo, fui directo a casa. ¿Te sigo pareciendo inespontánea?

* Primer cuento del libro Espontaneidad (Editorial Y, Fondec, 2014).



Sebastian Ocampos, nació en Asunción, Paraguay, 1984. Escritor y editor. Director fundador de la RevistaY.com y el Taller de Escritura Semiomnisciente (TES). Presidente de la Asociación Literaria Arandu (ALA) y coordinador general del Foro Internacional del Libro de Asunción 2018. Autor de Espontaneidad (2014), libro que reúne cuentos premiados, traducidos y publicados en periódicos, revistas y antologías nacionales e internacionales. Jurado de concursos literarios locales y regionales, entre los que cabe destacar el Premio Municipal de Literatura 2018 y Premio Itaú de Cuento Digital 2017. Expositor invitado de universidades, mercados y centros culturales, foros y ferias internacionales del libro de Paraguay, Argentina, Colombia y Rep. Dominicana. En 2017 fue seleccionado como uno de los veintitrés escritores jóvenes de América para el ProyectoArraigo.com.




sábado, 15 de setembro de 2018

[Poema] (In)decisões temporais, de Leandro Dupré


(In)decisões temporais
Leandro Dupré





No meio do corre-corre
Da insanidade do foge-foge
Surge uma questão crucial: chove ou não chove?
Uma dúvida que pode soar tão banalizada,
Mas que ainda é revolucionária por natureza:
Pois a papelada importante
Vira vítima agonizante
E o guarda-chuva, esquecido e desprezado,
Torna-se item altaneiro,
Um verdadeiro escudo
Contra os bombardeiros.
Porém, a suspeita ainda flutua pelo ar:
Uns repetem que tem 80% de chance
Da água cair como avalanche.
Outros se limitam à lógica elementar
Onde simplesmente chove ou não chove.
Alguns preferirão confiar
Nas mais íntimas sensações.
E a maioria seguirá
Sob o fascínio total
Do admirável mundo
Da previsão artificial,
Acreditando que o ar frio de altas colinas
Vem sempre por culpa da Argentina.
Pois mesmo tratando-se do líquido primordial
Ainda causa-se um temor colossal:
A diferença entre o remédio e o veneno
Continua sendo a dose que se aplica.
O excesso ou a falta ocorrendo
E é o desequilíbrio quem fica.
A agrura do desamparo,
A aridez a dizimar, destruir.
A água tão farta que, sem reparo,
Chega com o céu a se confundir.
Entre secas e inundações,
Incertezas e especulações
Está o mundo a decidir
Se age como sabe que deve agir
Ou se espera a chuva cair.

Leandro Dupré Cardoso é administrador e escritor, autor dos livros de ficção "A era i-Racional", "O rico, a velha e o vagabundo", entre outros.





quinta-feira, 3 de maio de 2018

[Conto] A mulher e o polvo, de Mauricio Gomes


A MULHER E O POLVO

Um imenso pássaro passa pela claridade da sua janela. Tão rápido que ela não conseguiu vê-lo. Nesta noite, ela conheceu o silêncio do céu.
Vivia só. A noite era mais leve do que seu olhar. Sentia a dor do silêncio e da solidão. Morava em um apartamento de 40 metros quadrados, para ela, era enorme, os quatro cômodos faziam ecos como se estivesse em uma caverna inexplorada, aguardando uma carícia ágil de uma geometria impensada. Tudo que restava, era habitar os espaços finitos e infinitos de sua morada.
Às vezes, ouvia gritos da noite profunda, também frágil e solitária, e o tédio das horas intermináveis batia na vidraça da janela do seu quarto.
Tinha apenas as palavras de um livro que lia e relia, o Atlas Menmosyne, de Aby Warburg. Era seu quebra-cabeça, a sua tática de sobrevivência nas noites incongruentes. Um livro apropriado que ressoa sobre corpos e mentes e espaços silenciosos, como um fantasma que visita uma casa sem moradas, e lá só encontram o vazio e o pó e o eco.
Na parede da sala, uma pintura, um jardim de rododendro, tentava florir o ambiente tímido. Virgínia era seu nome.
Uma bibliotecária. Uma funcionária pública. Tinha 33 anos.
Resolveu, naquela noite que já ia tarde, deixar de ser silenciosa entre as flores de rododendro e sobre a luz que a desnudava, debaixo de suas pálpebras, mordeu a noite e como um relâmpago que sangra o céu, em um instante sempiterno, ela decidiu que teria uma companhia.
Não um gato.
Não um cachorro.
Não um rato.
Não um porquinho-da-índia.
Não um peixe.
E sim um polvo.
Depois desta decisão resoluta, sem titubear, ela amanheceu com vontades e desejos e ouvia de Debussy, O Martírio de São Sebastião.
Era sábado, naquele dia. Um céu brocado. Um céu vestido para cobrir Virgínia.
Pediu ajuda ao deus google. Queria saber onde comprar um polvo. Morava em uma cidade cosmopolita, tinha certeza que encontraria. São Paulo se acha de tudo.
Encontrou. Sua pulsação alterou. Ficou ansiosa. Desejava entrar naquele mundo aquático e respirar melhor. Lá, passou não mais a contemplar o vazio, lá, a vida era aquosa e porosa e escorregadia, um mundo onde nada é fixo. Conseguiu comprar, só que antes precisava instalar um tanque, controlar o nível de oxigênio e o aquário devia ser totalmente vedado (imposição do vendedor), por ser um animal invertebrado e inteligente, não se pode correr o risco dele fugir, e outras recomendações, ele deve ser criado sozinho, qualquer outro animal no mesmo ambiente será refeição para o polvo; sua alimentação são crustáceos, e como disse o vendedor “ele adora peixinhos vivos”, camarões sem casca e sardinhas. E o polvo? Estava à sua espera, como uma criança órfã, ou melhor, como um insinuante e predador? Ela ainda não sabia nada dos seus hábitos, das suas crises, das suas manias, dos seus desejos, enfim, era um desconhecido que iria habitar outras águas desconhecidas.
Ele foi batizado, agora era Isidore Ducasse.
Sim, era um macho. Um belo exemplar de macho.
Virgínia não se sentia mais só. Fez da sua vida, após a presença de Isidore, um ritual. Limpava o tanque, verificava se ele estava vedado (porém, ficava com pena em vê-lo assim, como se estivesse sem respiração), dava comida antes de sair para o trabalho e quando chegava dele. Seu congelador estava repleto de sardinhas e camarões sem casca, e quando dava tempo, comprava peixinhos vivos para alimentá-lo. Assim, seguia a sua vida.
À noite, ficava namorando seu novo amigo. Queria conhecê-lo melhor. Saber dos seus hábitos diurnos e noturnos, e a cada dia, ficava encantada e envolvida com as descobertas. Lembrou-se da fala do vendedor, incisivo: “Não se apega muito, os cefalópodes duram pouco, entre um a dois anos.” Não queria acreditar nisso, já estava completamente apaixonada. Toda noite, sentava ao lado do aquário e conversava com Isidore. Acreditava que ele respondia às suas perguntas, às suas dúvidas.
Quando ele foi morar com ela, segundo a documentação, ele tinha 5 meses, e depois de 5 meses juntos, já criou uma relação de intimidade, de um sentir a falta do outro. Parece que ele sabia o horário preciso da sua chegada, assim, soltava uma tinta laranja, só para dizer a ela que estava feliz com sua chegada, e ela começava a cantar e começava o ritual de preparar a alimentação de Isidore, mas antes, ela tomava um banho, hidratava a pele alva e virgem e ficava de calcinha e sutiã só para vê-lo mexer todos seus oito braços, e ela já ousava, tocava nele, acariciava ele.
Isidore Ducasse passou a ser seu confidente das horas nuas e longas. Ele sabia como hipnotizar sua amada, não só pelas cores, laranja, amarelo e vermelho, o que ela não sabia, não havia tido a ela ao comprar o polvo, ele era um thaumoctupus mimicus, e assim, conseguia envolvê-la, deixá-la seduzida pelos longos e fortes braços, pelo perfume inebriante das tintas que saiam do seu corpo. Sua visão binocular permitia enxergar o corpo de Virgínia. Ela estava toda hipnotizada, seu corpo era brasa quente, e ela disse a ele: “Surpresa! Mais de uma surpresa. A primeira, comprei um presente a você, uma réplica da xilogravura do artista japonês Katsushika Hokusai, O sonho da mulher do pescador.” E ela mostra a ele, puxa a poltrona para mais perto do aquário, de calcinha e sutiã, ela também estava camuflada para o perigo da sedução. A outra surpresa, disse a ele que iria tirar a vedação do tanque, abri-lo, deixá-lo livro, assim, poderia sair e sentar ao lado dela, assim, conseguiria os abraços e amassos tão desejados. Desejava que ele a levasse para cama, a despisse, e que cada braço a tocasse, nos seus mamilos, na sua boca, na sua vagina, nas suas pernas, no seu torso, nos seus cabelos, e a possuísse. Ela estava lubrificada e pronta para recebê-lo.
Começou a dançar para ele, a seduzi-lo. Tirou o sutiã e ficou com a imagem da mulher sendo possuída pelo polvo.
Estava tão hipnotizada, rodava, rodava, como uma dervixe, quando parou e sentou, sentiu que seus seios estavam sendo tocados, seus cabelos sendo mexidos, suas pernas sendo abertas e enlaçadas, seu pescoço envolvido por dois braços fortes e esguios, começou a ficar sem ar, não conseguia respirar, mas mesmo assim, ainda desejava mais e mais aquele corpo octópodes, a cor da tinta vermelha se espalhava pelo corpo branco como a nuvem daquela noite cósmica, estava sem calcinha, ele a rasgou com seu bico quitinoso, ela o queria mais, a cada movimento gelatinoso, ela mexia o corpo mesmo sentido dores pela força dos braços do macho Isidore Ducasse, era como uma autoasfixia. A fricção dos braços entre suas coxas, a fez pronunciar palavras obscenas e sua respiração ofegante a deixava preparada para o gozo.
Isadore Ducasse também estava preparado para receber o corpo de Virginia, jorrou seu gozo vermelho sobre o corpo virgem de Virgínia e não teve piedade e nem remorso, e no ato do gozo, a tinta vermelha e o sangue se misturavam, com a mesma intensidade de desejos e vapores. Uma camuflagem perfeita entre Isadore Ducasse e Virgínia.

O sonho da mulher do pescador, de Katsushika Hokusai



Mauricio Gomes, natural da cidade de Ipameri, estado de Goiás, há 10 anos mora em São Paulo, é professor de Literatura, coordenador pedagógico e jornalista cultural. Seu primeiro livro (Des) Caso com a poesia: Inquietações foi lançado em 2012. Em Portugal, participou de uma coletânea de poemas, o nome do livro é Poética. O seu trabalho poético também está na Revista de poesia e arte contemporânea Mallarmargens e na Revista portuguesa Triplov de Artes, Religiões e Ciências.  Em 2014 participou do Festival de Poesia Internacional no México e do Festival de poesia da Unesco, também no México. Em junho de 2015, participou do 2º Encontro de poesia Internacional, novamente no México e em 2016, foi convidado a participar do Festival de Poesia Internacional em Marrocos.

quinta-feira, 8 de março de 2018

[Poema] Feminil, de Valdyce Ribeiro



FELIZ DIA INTERNACIONAL DA MULHER!



Feminil
        
Forte, frágil
o choro no parto
e na partida
O colo, o afago
a mão amiga
a multiplicar e a dividir
o amor, o peito
O ciúme, o zelo
a luta, o espaço
o trabalho vasto
a dupla jornada
A metamorfose
a beleza terna
a tigresa
do palácio, do beco
O véu, o fel
o comando, a gueixa
O desejo, o medo
das mudanças, das rotinas
Irreverências
Preferências
Sabedoria
Fé, descrença
És ser a tecer
e destecer malhas! 




Professora de Contabilidade Geral,  Custos e Análises de Balanços, Empreendedorismo e de Orçamentos, Captação de Recursos e Oratória.
Poesias: 1) Captar de Pensamentos/ 2) Vida & Verso/ 3) Luz Viva/ 4) Entre Parênteses/ 5) A Magia da Poesia / 6) Estação Poesia e 7) Flor & Ponte.
Autora do livro crônicas: Entre Cuecas e Calcinhas e outras Crônicas.
Criadora e organizadora do Sarau Itinerante Dyce- Poesias. 










domingo, 18 de fevereiro de 2018

[Conto] Indecisión, de Gustavo Pino



INDECISIÓN
Gustavo Pino



  
Apura, apura, me repite ella una y otra vez, antes de saltar hacia el otro extremo con facilidad. Su agilidad no deja de sorprenderme. Y solo tengo ganas de decirle que saltar todo eso está imposible. ¿Acaso no se da cuenta que el agujero de cemento es enorme? La caída sería mi final, las olas en el muelle herrumbroso me despedazarían contra los escombros de un desembarcadero en tiempos de gloria pasada. Solo salta, no seas cobarde, me dice. Avanzo por el borde más ancho, el más seguro a simple vista, y me maldigo por no haberla detenido en su locura, me repito. El vértigo es incontrolable, recorre la boca de mi estómago sin piedad aparente, y me imagino tumbado por el ventarrón que sorprende de rato en rato. ¡Cuidado!, increpa la morenita. Las olas revientan en el fondo del agujero y el agua salpica hasta mi rostro. Me acuclillo y me sostengo de fierros saltones de una estructura tembleque como mis piernas indecisas a hacerle caso a la voz chillona. ¡Salta ya, hazlo ahora!, grita histérica. El brinco es desproporcionado y caigo sobre ella aplastándola contra el suelo. Ríe a mandíbula batiente, y no me es difícil secundarla. ¿Ya ves que no era tan difícil?, observa. Sí, claro, pienso. Asiento con la cabeza pasando mis manos por la ropa empolvada, ella me imita. Luego, me toma de la mano y me arrastra hacia el fin de nuestro camino inclinado, chueco como un cojo de batalla perruna. No vayan al muelle viejo, nos advirtió la abuela de ella, en cualquier momento se derrumba. Pero aún así, ahí estamos, en el añoso atracadero de la ciudad sureña. ¡Vamos camina, date prisa!, me dice ella, que ha insistido desde varios días en mostrarme su lugar favorito. ¿Qué cosa es? ¿Dónde queda? Ya déjate de misterios, traté de averiguar sin resultado alguno, sorbiendo de alguna paleta aguada luego de las clases al mediodía. Ya falta poco, camina más rápido, y me jalonea como a su marioneta. No te vayas a tropezar, mira nomás las piedras en las que te caerías, me advierte. El camino improvisado es más estrecho que el anterior. Ya está, este es el lugar que te comenté, ¿qué te parece? La miro sin ganas de decir nada: sus cabellos revolotean con la brisa que sopla con mayor intensidad, y pienso que es el momento indicado de decirle todo, como si hubiera alguno. Pero nuevamente el temor me gana y solo estoy ahí en el borde de un muro torcido, con el atardecer anaranjado, y dejo que la ventisca se lleve las palabras elaboradas frente a un espejo, un primer beso frustrado por la salinidad del ambiente, las palabras se corroen como la vetusta estructura y ya no queda nada, solo viento ululando como aullidos solitarios.

Gustavo Pino, Estudió Comunicación Social en la Universidad Católica de Santa María (UCSM), donde se especializó en periodismo. Tiene el grado magíster en Educación Superior otorgado por UCSM. Es miembro de la organización cultural “Los malos muchachos”. En el 2012 publicó su primer cuento “El maestro de Arequipa”. En el 2013 ganó los Juegos Florales de la UCSM, el mismo año publicó el cuento “Música en el callejón”. Fue redactor en Diario Noticias y Diario Correo, Arequipa, publicando una serie de crónicas y reportajes. Además, colaboró con la revista Diverse del Comercio Publicitario. Fue fundador y administrador de la página web Crónicas Clandestinas. En marzo del año en curso publicó su primer libro de cuentos “La ciudad dormida” (Aletheya). Actualmente obtuvo el segundo lugar en el concurso Breves Historias de Amor, organizado por la Municipalidad de Arequipa, y colabora con crónicas y reportajes en algunos diarios locales.

sexta-feira, 9 de fevereiro de 2018

[Poema] Sem título, de Maira Garcia


Sol não dorme,

Gira na cama
e ilumina o lado de lá 

Que ascende a luz.

O Sol, que vive aceso,
Sofre de insônia 
por uma esperança desmedida
que não se apaga.







Maira Garcia é poeta do blog Depois da lua de ontem. É compositor e cantora, e formada em propaganda pela ECA-USP. É atuante no Centro de Arte e Promoção Social do Grajaú e integra o movimento Mulherio das Letras.


terça-feira, 9 de janeiro de 2018

[Conto] O ônibus das 7h40, de J. C. Marangoni

Triim, Triiiiim. O alarme prediz que o sol está nascendo. Ainda com os olhos semicerrados, Jorge esticou o braço afim de alcançar o objeto e cessar o barulho. Sentou-se na cama, fez suas orações, colocou o chinelo e foi para o banheiro. O primeiro jato de água e o vento gélido fizeram seus pelos arrepiarem; em seguida, para sua felicidade, a água quente como coração de mãe começou a sair.
O silêncio no prédio, por conta do horário, fazia com que fossem perceptíveis todos os simples ruídos que ocorriam naquele pequeno apartamento, inclusive o tilintar das gotas caindo da cafeteira dentro da jarra transparente. Despejou o breve conteúdo na xícara, notou ao olhar o relógio que estava atrasado e tomou seu café em duas goladas, que fizeram arder sua garganta devido à quentura, mas que ele ignorou.
Com uma mão pegou a jaqueta em cima da cadeira e com a outra a mochila. E saiu às pressas. No elevador terminou de se vestir.
Para sua sorte o ônibus ainda estava lá parado, aguardando as pessoas entrarem. E, assim como nos últimos meses, provavelmente chegaria quase uma hora mais cedo no serviço. Seu receio não era chegar mais tarde no trabalho, mas sim perder aquele ônibus em si. O ônibus das 7h40.
Um sorriso se formou no seu rosto antes de passar pela catraca. Avistara o motivo de querer sempre pegar aquele ônibus, sentada próxima de uma das janelas. A vaga ao lado dela estava disponível, e, assim que pagou o cobrador, pediu-lhe licença, ela retirou o fone e o encarou com ar de interrogação.
Aquela era a primeira vez que se dirigia a ela.
Ele repetiu e por fim ela lhe sorriu e assentiu, e Jorge sentou-se ao seu lado. Tinha receio de parecer inconveniente e passar uma imagem errada. Seu dia seria perfeito, nada tiraria o sorriso da sua face.
A equipe de colaboradores reunida na sala de reuniões repassava a agenda da semana, e ele, com o pensamento voando, pensava apenas Carol. Nunca perguntou seu nome, mas um dia escutara ela atender uma ligação e se apresentar daquela forma. Não sabia se o certo era Caroline, Carolina ou se tinha uma terminação estrangeirada com Y ou qualquer uma das outras 25 letras que compunham o alfabeto. Também não era relevante se ela fosse Joana, Bianca, Camila. Para ele sempre seria a menina dos seus olhos, a menina do ônibus das 7h40.
Quando voltava para casa percebeu detalhes que o entristeceram. A luz dos postes já iluminava a noite e o clima pacato cobria a cidade. Homens de terno e gravata e com a expressão mista de cansaço e alegria na face carregavam flores, presentes e sacolinha de lojas de chocolate. O dia havia sido tão corrido e seu pensamento tão longe que nem se lembrou de que era Dia dos namorados.
Como seria ter Carol ao seu lado? Ele se imaginava levando-lhe chocolate belga, um buquê de flores e saindo juntos para jantar. Ao final, uma noite de prazer e amor. Os pensamentos fizeram a tristeza passar e voltou ao seu momento feliz.
Abriu a porta de casa e a solidão o invadiu novamente. Como era difícil morar só e não ter com quem conversar.
O ritual de pegar aquele ônibus já durava quase três meses. Elaborava uma maneira de abordar a amada sem parecer um louco. Fantasmas em sua mente criavam pensamentos de que ela podia já ser noiva ou até casada. Só haveria uma forma de descobrir. E depois de matutar durante o final de semana, decidiu que amanhã seria o grande dia.
Despertador, orações, banho, café, ônibus das 7h40 e…
Desta vez Carol não estava lá.
Pela primeira vez nesses últimos meses não a avistou. Talvez ela pudesse ter se atrasado ou algo do tipo. Terça, quarta, quinta e sexta. A semana passou, semanas passaram e Carol se foi. Se foi sem avisar.
Sentia que não haveria mais manhã, se o brilho do sol já não estava em seu olhar. Enxergava o mundo ao seu redor preto e branco, havia perdido a sua cor.
Ela jamais o traiu, jamais o desapontou. Ela nunca disse “te amo”, mas também não disse que não. O tempo passava e Jorge somente esperava uma coisa: reencontrar a garota do ônibus das 7h40.

J.C. Marangoni é bacharel em Sistemas de Informação e pós graduado em docência para o ensino superior. Em 2016 teve seus primeiros contos publicados pela editora Porto de Lenha e em 2017 foi finalista do Prêmio Porto de Lenha de Literatura com o conto "O ônibus das 7h40". Dividido entre humanas e exatas, atualmente busca novas inspirações e oportunidades para a conclusão de seu segundo romance.