segunda-feira, 12 de junho de 2017

[Conto] Perdida na floresta, por Jussara Carvalho

Um belo dia, Tomasia cansou das cobranças sobre a razão que não tomava o atalho que a mãe havia lhe ensinado para ir à escola. Não conhecia o terreno dos vizinhos e nunca tivera senso de direção, contudo confiou nas coordenadas que sua mãe havia lhe dado e entrou na mata.

Seguiu as trilhas do gado como Doroteia havia lhe dito até desaparecer o caminho e perceber que havia algo errado, porém acreditou que sua mãe não mentiria para ela.

_ Avante Tomásia! Se mãe disse que a trilha iria surgir novamente então é só andar mais um pouco para frente. Uma boa garota não questiona a sinceridade de sua mãe.

O mato ficava cada vez mais intenso. Carrapichos e outros espinhos grudaram em sua roupa, pedras e gravetos furaram seu tênis, entretanto continuou andando acreditando encontrar tal caminho. Suas pernas e braços estavam marcados com galhos que lhe perfuraram e diante dela não passaria nem lagartixa por ser muito apertado.

_ Tenho que voltar! _ Exclamou cansada _ Não há como ultrapassar a barreira de espinhos. Nem sequer sei onde estou e o mato está muito fechado atrás.

Protegeu os olhos com os braços e se jogou no espinhal antes que tivesse uma crise de choro e ficasse presa na parede viva.

Acreditou que teria sorte de chegar ao rio e descobrir onde estava, mergulharia nas suas águas transparentes, pentearia os cabelos com as pontas dos dedos e se livraria dos espinhos antes de chegar ao grupo escolar. Entretanto ficou mais perdida ainda.

_ Como é que vou conseguir ver do alto se as árvores dessa mata são arbustos, muito finas ou cheias de espinhos afiados?

Passou a manhã inteira tentando encontrar pés de mangas, bananas, ou qualquer outra fruta que pudesse matar sua fome ou andar até um terreno que conhecia. Mas localizou no meio do mato uma casa velha com algumas paredes em pé e poucas telhas no telhado. Havia décadas que ninguém passava naquele local. Viu um limoeiro carregado, achou que fosse uma laranjeira, aproximou e chupou quatro limões para matar a sede.

_ Se a terra me oferece limões eu chupo, mesmo sendo tão azedos.

De repente a garota ouve um barulho. O vento derrubou um pedaço de parede ao seu lado deixando Tomasia em pânico lembrando que algumas famílias enterram seus mortos no quintal de casa. Tinha pavor de assombração. Temendo que algum fantasma estivesse protegendo aquelas terras de intrusos, correu desesperadamente deixando metade das roupas e cabelos na vegetação, levara mandacarus e outros cactos nos pés enquanto quebrava galos com o peito para abrir caminho.



_ Outra é que vai ficar aqui para confirmar se fantasma só aparece à noite!

Chegando a um vale parou de correr, precisava recuperar o fôlego e achar o caminho volta pra casa. A sede era maior que a fome, o corpo estava encharcado de suor. Embora soubesse que havia perdido as aulas daquele dia não tinha noção de quanto tempo estava perdida. Tentou arrumar os cabelos que estavam desalinhados sobre as suas faces arranhadas, foi quando percebeu que o rabo de cavalo havia ficado para trás. Tinha perdido também alguns livros didáticos e o caderno de anotações que levava nos braços.

_ Para completar vou terminar o ano letivo sem material escolar. Eu mereço isso por ser tão burra e entrar nesse mato esperando encontrar rasto de gado inexistente para me mostrar o caminho da escola.

Precisava se acalmar e pensar numa saída. Sentou-se sobre um monte de terra fofa, abriu o único livro que lhe restara e leu duas páginas. Era uma fantasia do livro de português, estava escrito a história de uma criança da idade dela que pulou no rio e descobriu uma fressura e quando passou por ela encontrou outro mundo subterrâneo.

A história era boa, porém Tomásia levantou num pulo ao sentir picadas na bunda. Considerou a hipótese de ter sido atacada por escorpiões, já tinha sido picada por este bicho uma vez e quase morrera, por isso chorou de medo. Respirou aliviada quando constatou que eram apenas ferroadas de formigas, se livrou delas ao mesmo tempo em que saia daquele local.

_ Ninguém pode saber que fui tola o bastante para sentar em um formigueiro.

Comeu araçás, depois andou sob raízes de plantas que não sabia o nome e debaixo de folhas que filtravam o sol.

_ A essa altura as aulas do dia já terminaram e eu aqui broqueando o filete de luz que entra no lar das formigas mordedeiras.

Sua pressa de voltar pra casa agora era medo de escurecer e passar a noite sozinha no habitat de cascavel e outras cobras peçonhentas.

Ouviu novamente barulho e se assustou achando que fosse animal selvagem. Expirou o ar que prendeu nos pulmões ao se convencer que fora apenas sua barriga roncando. De tanto andar sobre tocos, pedras e raízes, os tênis que usavam ficaram gastos e deixavam metades dos dedos expostos. Tirou-os para remover as pedrinhas e cascas de árvores que estavam machucando seus pés. Respirou fundo e continuou andando triste e cansada. O calor era sufocante e os ferimentos doíam e pinicavam.

Prendeu novamente os cabelos a uma caneta, ralou o braço no juazeiro, fitou o chão e começou comer juá sem perceber que ferira o braço no espinho da árvore. Porem o sangue começou escorrer e Tomasia interrompeu a refeição para tratar da sangria. Pressionar a ferida não foi o bastante para que as hemácias e leucócitos da garota voltassem normalmente a corrente sanguínea. Reuniu algumas folhas ásperas, mas eram muito pequenas para o curativo, então arrancou um pedaço de papel do livro e depositou sobre o ferimento, arrancou outra página para amarrar no braço. Confusa sobre o que devia fazer.

_ Em outra circunstância eu não maltrataria um livro, mas agora vendo esse braço melado com esse sangue que parece que vai fugir todinho, começo a pensar que vou morrer aqui. Não posso morrer agora, tenho tantos anos pra viver e sonhos pra realizar.

Sacudiu a saia e voltou a andar sem direção, na expectativa de encontrar frutinhas pretas e duras mais adiante e puder comê-las.

_ Levante Tomasia! Se quiser sair daqui viva é preciso andar e andar até em casa e ir ao encontro de frutas comestíveis.

Ouviu o canto de uma araponga e pensando ser um homem batendo em uma ferramenta correu em direção ao som, quando a ave voou para o alto passou a mão na testa pra limpar o suor.

_ Eta Tomasia! Passei tanto tempo no mato que estou confundindo o som de um pássaro com um ferreiro na bigorna.

As horas foram passando até que a criança encontrou maracujá do mato. Devorou os frutos maduros e os verdes como quem come uma barra de chocolate.

O sol estava quase se pondo quando avistou um clarão. A menina foi apressada conferir se era uma estrada de terra ou uma miragem. Ali encontrou troncos de árvores cortadas e cinzas na terra e sorriu.

_ Hora de voltar pra casa Tomasia! Se eu estou numa área desmatada, decerto há uma trilha que leva a uma casa, ou uma estrada, no mínimo agora vou encontrar alguém para me conduzir a fazenda dos meus pais.

Sua intuição estava certa, todavia entrou na estrada à terra a 9 KM de sua casa.

_ Não reclame Tomasia! Pelo menos agora eu sei onde estou.

Por um momento não sentiu cansaço, a alegria de voltar pra casa era tamanha que percorreu os 9 KM correndo para evitar a escuridão na encruzilhada e 1 hora depois pisou suarenta no terreiro da frente da casa onde morava.

Quando Tomasia entrou na cozinha estava zangada e quis saber o motivo que sua mãe insistiu para ela pegar o atalho que acabava no meio da mata, porem Doroteia fingiu não ouvir e quando a menina insistiu, respondeu que a filha era uma desastrada sem juízo e continuou preparando o jantar da família.


Apesar da aventura do dia que deixou seu corpo dolorido, Tomasia estava feliz por está em casa saboreando uma comida quentinha e dormir outra vez numa cama limpa e seca.

Jussara Carvalho é contadora de histórias, locutora voluntária na rádio de Paraisópolis, contista, cronista, poeta, romancista, escritora de livros infantis e juvenis, conhecida como a escritora de Paraisópolis pelos livros Demolidor de Corações, Quando o Coração Fala e O Mundo da Grande Formiga.

Um comentário:

  1. Se perdeu, mas se achou, as vezes temos que nos perder para acharmos o sentido das coisas, gostei valeu!

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