sexta-feira, 1 de julho de 2016

América Latina: Um eco literário

Discurso para lançamento de Daqui e Dali, por Robson Di Brito.



Discurso proferido no Lançamento da Antologia Poética “Daqui e Dali”, promovido pelo Programa Ecos Latinos.

Os mitos foram formados por seres espectrais que os traduziram em palavras, e foram todos situados em terras mágicas entre o humano e seu imaginário. Neste ápice da gênese literária humana, os povos autóctones Daqui e Dali criaram lendas que ainda nos intrigam.

Desta forma, constato: nós, América Latina, somos a pulsação da literatura. Antes mesmo de sermos bombardeados pela disciplinadora ciência, pela gananciosa ambição comercial, pela concupiscência política, pelo acaso do achado de terra, dito pelos europeus – somos literatura!

Depois, mais metafísica mitológica se imiscuiu em nossas terras. E abaixo do estalo arregimentado do sofrimento, o negro pintou a América, do norte ao sul, de mais mitos. Diante de tal espetáculo secular que enoja e inebria – não é à toa que o desenvolvimento da identidade americana, e aqui destaco, da América latina – é um dos principais fatos da idade moderna e significa um dos maiores desafios já apresentados à imaginação criativa.

As cartas, diários e literatura informativa estão repletos de fascínio e imaginação, que este “jardim do Éden” ou entrada dantesca para o inferno, produziu nos exploradores colonizadores. Comandamos os desejos, inventamos salvações e condenações para qualquer fuga que possa existir “extra-literatura”.

Assim em pleno desenvolvimento do século XX, enclausurados na tradicional literatura; como bravos descendentes de bárbaros (em seu sentido mais sublime) abrimos espaço para uma nova escrita. Emergimos de nossas experiências, que ora tangem nosso sexo, nossas dores, nossas alegrias e nossas esperanças – e num caldeirão formamos a literatura fantástica.

Sensíveis ao revés do tempo e do espaço, observadores perspicazes que somos, lançamos em literatura o espirito crítico, mas sempre envolto na sátira – porque sabemos sorrir e gargalhar, como ninguém no globo terrestre.

Como esquecer as elevações da imaginação subjetiva do romantismo de Simon Bolívar? E quando pensaríamos que um mestiço, autodidata, na margem da sociedade cunharia um dos maiores enigmas que a literatura produziu? Afinal, apenas Machado de Assis poderia nos afirmar: Capitu traiu ou não Bentinho?

Não saberíamos o que é o continente sem os cantos históricos de José María Heredia. E nossos costumes como americanos, quem foram os primeiros a registrar-nos? Não foi Darwin, já desconstruo seu “eurosonho”. Foi o mexicano José Joaquín Fernándes, o peruano Ricardo Palma, o argentino José Hernándes, o brasileiro José de Alencar, o equatoriano José Joaquín de Olmedo. Estes nos representaram antes mesmo que esta palavra ganhasse força na nossa contemporaneidade.

E como esquecer delas? Aquelas sensíveis mulheres que adentraram a alma e nos revelaram o que de mais fundo a literatura pode ir. Sem findar-se em fim. Seria muito estupido de minha parte não recordar as dicotômicas poesias da cubana Gertrudis Gómez. Ou as secas, mas quentes poesias da peruana Clorinda Matto. As modernas combinações linguísticas da uruguaiana Delmira Agustini, da argentina Alejandra Pizarnik. Os dilemas dos povos indígenas ganharam corpo na “multiescritora” mexicana Rosario Castellanos. E aqui, no Brasil, sobre palanques onde homens ditaram regras, ela se lançou como Pagu. Patrícia Galvão elevou o feminismo brasileiro para um patamar nunca visto: a literatura.

Outros tantos e outras tantas que nos invadiriam com suas palavras formaram o que chamamos de literatura latina americana. E hoje estamos aqui, nós, propensos autores descendentes desta safra genuína de grandes palavras.

Daqui e Dali; é muito mais que uma coletânea de poemas. É o grito guerreiro de um povo que emerge banhado pelos Oceanos Pacífico e Atlântico sul. Somos a forma da resistente, que mesmo diante do humor inglês que impera em nossos dias, ainda gargalha das vicissitudes que apenas a terra vermelha da América pode nos dar.

Somos mulheres e homens, moldados, mudados e transmutados pelos domínios surdos do controle econômico, mas que não se permitem deixar de criar. Somos o silêncio da desigualdade que escandaliza. A opressão das vozes seladas pelo poder – mas que se escancaram na literatura e bradam contra seus tosquiadores.

Esta noite, somos literariamente a voz da literatura latino americana.

Obrigado ao projeto Ecos Latinos por proporcionar tão sublime trabalho. Obrigado autores por impregnar nesta coletânea sua alma, e elevar sua voz. Parabéns àqueles que lerem este livro, você está recebendo a moderna alma latina em forma de literatura.

Muito obrigado.

Robson Di Brito

Pesquisador de literatura afro e afro-brasileira pela UFVJM. Organizador da coletânea de poemas “Iluminatus”, por Clube de Autores, 2013/SP. Coautor de “É duro ser Cabra na Etiópia” (Contos) com edição da atriz Maitê Proença, por Editora Agir, 2013/RJ. Autor de “Relacionamento com uma gata” (contos-crônicas), por Clube de Autores, 2014/MG; “A voz de Tina” (peça teatral), por Clube de Autores, 2015/MG e Mãe, Pai e Lógunède (Poesia), por Clube de Autores, 2016/MG.

Um comentário:

  1. Sou muito grato e feliz pela oportunidade de expressar o quanto me é grandioso, entender o Brasil e os outros países latino americanos unidos em algo que é somente nosso - a Literatura. Obrigado novamente.

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