Márcio Vidal Marinho, nascido e criado no Jardim Ângela,
descobre o poder da palavra e sua magia na adrenalina poética que rege os
encontros da Cooperifa.
Daí em diante, Márcio torna-se além de autor de uma poesia que
surpreende - e nos atrai
irremediavelmente para um imaginário de alta densidade lírica e histórica, - um
estudioso da arte da palavra. Vai fundo
e torna-se mestre pela USP discutindo a chave de sua estética: a poética da
literatura periférica e a tradição literária brasileira. Tanto seus
estudos quanto sua poesia traduzem
precisamente esta tensão entre o novo e
a tradição, entre a História do passado e os duros tempos de violência e desigualdade
em que vivemos.
É
assumindo este caminho, que 21 Gramas produz um
texto poético complexo, onde o passado e o presente históricos se superpõem em
camadas de forte interlocução, e onde, ainda em registro polifônico,
radicaliza-se permitindo que os duros tempos atuais de violência e desigualdade
interpelem os ecos da História da escravidão no Brasil.
Tecendo
este imaginário, perguntas tornam-se leitmotiv em 21 Gramas. A mais
altissonante delas coloca
uma questão que aqui torna-se epistemológica: “O que será um negro?” Que
sentidos históricos, políticos, atávicos se enraízam nesta pergunta? Pergunta que se desdobra e expande no
poema “Velho canto brasileiro”:
“A única
palavra que ouço/Mas não entendo/É negro,
/
Negro,
negro….Deve ser o que nos espera à frente /
Deve ser
a morte
/O ódio
/O que é um negro, Zaci?”
Uma
pergunta que ainda neste poema costura em pontos finos e entrelaçados uma
guerra resiliente, que traz de volta a dor da diáspora agora sob “o engatilhar
/de uma doze”.
Sua
poesia pulsa, num cenário de ferros e
correntes, de mãos atadas, de brados guerreiros abatidos por esta dúvida que
não se deixa calar.
Dúvida
traçada por vozes inaudíveis, por sons inaudíveis, por palavras inaudíveis
(sic, poema “No voice”). Mas que
persiste e se espalha pela margens da cidade que
“Trazem as histórias do século XX
/ E o desprezo do XXI.”
A
poesia de Márcio Vidal Marinho nos
proporciona um texto belo, raro, indispensável, guerreiro e lírico. Nos
apresenta a poesia negra moderna e erudita de um tempo, como disse o
poeta, em que “os navios não são mais
negreiros”.
Em
2015, 21 Gramas, recebeu, como trabalho inédito,
Menção Honrosa, no 23° Programa Nascente da USP. Agora publicado, vai se tornar
uma referência importante no panorama aquecido da nova poética da periferia.
21 Gramas tem data marcada para seu lançamento. Dia 13 de agosto.
Estamos todos convidados!
Heloisa Buarque de Hollanda
Ensaísta, escritora, editora, crítica literária e pesquisadora brasileira. É autora de muitos livros, entre eles, Macunaíma, da literatura ao cinema; 26 Poetas Hoje; Impressões de Viagem; Cultura e Participação nos anos 60; Pós-Modernismo e Política; O Feminismo como Crítica da Cultura; Guia Poético do Rio de Janeiro; Asdrúbal Trouxe o Trombone: memórias de uma trupe solitária de comediantes que abalou os anos 70; ENTER Antologia Digital e Escolhas, uma autobiografia intelectual.
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