Discurso para lançamento de Daqui e Dali, por Robson Di Brito.
Discurso proferido no Lançamento da Antologia
Poética “Daqui e Dali”, promovido pelo Programa Ecos Latinos.
Os mitos foram formados por seres
espectrais que os traduziram em palavras, e foram todos situados em terras
mágicas entre o humano e seu imaginário. Neste ápice da gênese literária
humana, os povos autóctones Daqui e Dali criaram lendas que ainda nos intrigam.
Desta forma, constato: nós,
América Latina, somos a pulsação da literatura. Antes mesmo de sermos
bombardeados pela disciplinadora ciência, pela gananciosa ambição comercial,
pela concupiscência política, pelo acaso do achado de terra, dito pelos
europeus – somos literatura!
Depois, mais metafísica
mitológica se imiscuiu em nossas terras. E abaixo do estalo arregimentado do
sofrimento, o negro pintou a América, do norte ao sul, de mais mitos. Diante de
tal espetáculo secular que enoja e inebria – não é à toa que o desenvolvimento
da identidade americana, e aqui destaco, da América latina – é um dos principais
fatos da idade moderna e significa um dos maiores desafios já apresentados à
imaginação criativa.
As cartas, diários e
literatura informativa estão repletos de fascínio e imaginação, que este
“jardim do Éden” ou entrada dantesca para o inferno, produziu nos exploradores colonizadores.
Comandamos os desejos, inventamos salvações e condenações para qualquer fuga que
possa existir “extra-literatura”.
Assim em pleno
desenvolvimento do século XX, enclausurados na tradicional literatura; como
bravos descendentes de bárbaros (em seu sentido mais sublime) abrimos espaço
para uma nova escrita. Emergimos de nossas experiências, que ora tangem nosso
sexo, nossas dores, nossas alegrias e nossas esperanças – e num caldeirão
formamos a literatura fantástica.
Sensíveis ao revés do tempo
e do espaço, observadores perspicazes que somos, lançamos em literatura o
espirito crítico, mas sempre envolto na sátira – porque sabemos sorrir e
gargalhar, como ninguém no globo terrestre.
Como esquecer as elevações
da imaginação subjetiva do romantismo de Simon Bolívar? E quando pensaríamos
que um mestiço, autodidata, na margem da sociedade cunharia um dos maiores enigmas
que a literatura produziu? Afinal, apenas Machado de Assis poderia nos afirmar:
Capitu traiu ou não Bentinho?
Não saberíamos o que é o
continente sem os cantos históricos de José María Heredia. E nossos costumes
como americanos, quem foram os primeiros a registrar-nos? Não foi Darwin, já
desconstruo seu “eurosonho”. Foi o mexicano José Joaquín Fernándes, o peruano
Ricardo Palma, o argentino José Hernándes, o brasileiro José de Alencar, o
equatoriano José Joaquín de Olmedo. Estes nos representaram antes mesmo que
esta palavra ganhasse força na nossa contemporaneidade.
E como esquecer delas? Aquelas
sensíveis mulheres que adentraram a alma e nos revelaram o que de mais fundo a
literatura pode ir. Sem findar-se em fim. Seria muito estupido de minha parte
não recordar as dicotômicas poesias da cubana Gertrudis Gómez. Ou as secas, mas
quentes poesias da peruana Clorinda Matto. As modernas combinações linguísticas
da uruguaiana Delmira Agustini, da argentina Alejandra Pizarnik. Os dilemas dos
povos indígenas ganharam corpo na “multiescritora” mexicana Rosario
Castellanos. E aqui, no Brasil, sobre palanques onde homens ditaram regras, ela
se lançou como Pagu. Patrícia Galvão elevou o feminismo brasileiro para um
patamar nunca visto: a literatura.
Outros tantos e outras
tantas que nos invadiriam com suas palavras formaram o que chamamos de literatura
latina americana. E hoje estamos aqui, nós, propensos autores descendentes
desta safra genuína de grandes palavras.
Daqui e Dali; é muito mais
que uma coletânea de poemas. É o grito guerreiro de um povo que emerge banhado
pelos Oceanos Pacífico e Atlântico sul. Somos a forma da resistente, que mesmo
diante do humor inglês que impera em nossos dias, ainda gargalha das
vicissitudes que apenas a terra vermelha da América pode nos dar.
Somos mulheres e homens,
moldados, mudados e transmutados pelos domínios surdos do controle econômico,
mas que não se permitem deixar de criar. Somos o silêncio da desigualdade que
escandaliza. A opressão das vozes seladas pelo poder – mas que se escancaram na
literatura e bradam contra seus tosquiadores.
Esta noite, somos
literariamente a voz da literatura latino americana.
Obrigado ao projeto Ecos
Latinos por proporcionar tão sublime trabalho. Obrigado autores por impregnar
nesta coletânea sua alma, e elevar sua voz. Parabéns àqueles que lerem este
livro, você está recebendo a moderna alma latina em forma de literatura.
Muito obrigado.
Robson Di Brito
Pesquisador de literatura afro e
afro-brasileira pela UFVJM. Organizador da coletânea de poemas “Iluminatus”,
por Clube de Autores, 2013/SP. Coautor de “É duro ser Cabra na Etiópia”
(Contos) com edição da atriz Maitê Proença, por Editora Agir, 2013/RJ. Autor de
“Relacionamento com uma gata” (contos-crônicas), por Clube de Autores, 2014/MG;
“A voz de Tina” (peça teatral), por Clube de Autores, 2015/MG e Mãe, Pai e
Lógunède (Poesia), por Clube de Autores, 2016/MG.
Sou muito grato e feliz pela oportunidade de expressar o quanto me é grandioso, entender o Brasil e os outros países latino americanos unidos em algo que é somente nosso - a Literatura. Obrigado novamente.
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