Triim, Triiiiim. O alarme prediz que o
sol está nascendo. Ainda com os olhos semicerrados, Jorge esticou o braço afim
de alcançar o objeto e cessar o barulho. Sentou-se na cama, fez suas orações,
colocou o chinelo e foi para o banheiro. O primeiro jato de água e o vento
gélido fizeram seus pelos arrepiarem; em seguida, para sua felicidade, a água
quente como coração de mãe começou a sair.
O
silêncio no prédio, por conta do horário, fazia com que fossem perceptíveis todos
os simples ruídos que ocorriam naquele pequeno apartamento, inclusive o
tilintar das gotas caindo da cafeteira dentro da jarra transparente. Despejou o
breve conteúdo na xícara, notou ao olhar o relógio que estava atrasado e tomou seu
café em duas goladas, que fizeram arder sua garganta devido à quentura, mas que
ele ignorou.
Com
uma mão pegou a jaqueta em cima da cadeira e com a outra a mochila. E saiu às
pressas. No elevador terminou de se vestir.
Para
sua sorte o ônibus ainda estava lá parado, aguardando as pessoas entrarem. E, assim
como nos últimos meses, provavelmente chegaria quase uma hora mais cedo no
serviço. Seu receio não era chegar mais tarde no trabalho, mas sim perder
aquele ônibus em si. O ônibus das 7h40.
Um
sorriso se formou no seu rosto antes de passar pela catraca. Avistara o motivo
de querer sempre pegar aquele ônibus, sentada próxima de uma das janelas. A
vaga ao lado dela estava disponível, e, assim que pagou o cobrador, pediu-lhe
licença, ela retirou o fone e o encarou com ar de interrogação.
Aquela
era a primeira vez que se dirigia a ela.
Ele
repetiu e por fim ela lhe sorriu e assentiu, e Jorge sentou-se ao seu lado. Tinha
receio de parecer inconveniente e passar uma imagem errada. Seu dia seria
perfeito, nada tiraria o sorriso da sua face.
A
equipe de colaboradores reunida na sala de reuniões repassava a agenda da
semana, e ele, com o pensamento voando, pensava apenas Carol. Nunca perguntou
seu nome, mas um dia escutara ela atender uma ligação e se apresentar daquela
forma. Não sabia se o certo era Caroline, Carolina ou se tinha uma terminação estrangeirada com Y ou qualquer uma das
outras 25 letras que compunham o alfabeto. Também não era relevante se ela
fosse Joana, Bianca, Camila. Para ele sempre seria a menina dos seus olhos, a
menina do ônibus das 7h40.
Quando
voltava para casa percebeu detalhes que o entristeceram. A luz dos postes já
iluminava a noite e o clima pacato cobria a cidade. Homens de terno e gravata e
com a expressão mista de cansaço e alegria na face carregavam flores, presentes
e sacolinha de lojas de chocolate. O dia havia sido tão corrido e seu
pensamento tão longe que nem se lembrou de que era Dia dos namorados.
Como
seria ter Carol ao seu lado? Ele se imaginava levando-lhe chocolate belga, um
buquê de flores e saindo juntos para jantar. Ao final, uma noite de prazer e
amor. Os pensamentos fizeram a tristeza passar e voltou ao seu momento feliz.
Abriu
a porta de casa e a solidão o invadiu novamente. Como era difícil morar só e
não ter com quem conversar.
O
ritual de pegar aquele ônibus já durava quase três meses. Elaborava uma maneira
de abordar a amada sem parecer um louco. Fantasmas em sua mente criavam
pensamentos de que ela podia já ser noiva ou até casada. Só haveria uma forma
de descobrir. E depois de matutar durante o final de semana, decidiu que amanhã
seria o grande dia.
Despertador,
orações, banho, café, ônibus das 7h40 e…
Desta
vez Carol não estava lá.
Pela
primeira vez nesses últimos meses não a avistou. Talvez ela pudesse ter se
atrasado ou algo do tipo. Terça, quarta, quinta e sexta. A semana passou,
semanas passaram e Carol se foi. Se foi sem avisar.
Sentia
que não haveria mais manhã, se o brilho do sol já não estava em seu olhar. Enxergava
o mundo ao seu redor preto e branco, havia perdido a sua cor.
Ela
jamais o traiu, jamais o desapontou. Ela nunca disse “te amo”, mas também não
disse que não. O tempo passava e Jorge somente esperava uma coisa: reencontrar
a garota do ônibus das 7h40.
J.C. Marangoni é bacharel em Sistemas de Informação e pós graduado em docência para o ensino superior. Em 2016 teve seus primeiros contos publicados pela editora Porto de Lenha e em 2017 foi finalista do Prêmio Porto de Lenha de Literatura com o conto "O ônibus das 7h40". Dividido entre humanas e exatas, atualmente busca novas inspirações e oportunidades para a conclusão de seu segundo romance.
Um viagem gostosa e saudosa, adorei este conto, lembranças do cotidiano da correria dos detalhes que dão sabor a vida!
ResponderExcluirUm viagem gostosa e saudosa, adorei este conto, lembranças do cotidiano da correria dos detalhes que dão sabor a vida!
ResponderExcluir