Na semana passada publicamos o conto Un ladrón do escritor equatoriano Edwin Madrid, desta vez apresentamos a sua tradução.
Em 2016, 'Mordendo o frio' (AE, 2016) foi o primeiro livro traduzido do autor ao português. Agora, para Ecos Latinos, apresentamos de forma inédita a tradução do seu primeiro conto em português; a tradução foi realizada pela tradutora portuguesa Maria Eduarda Sousa.
Com a apresentação deste trabalho inauguramos o espaço traduções em nosso blogue, onde serão publicados textos traduzidos, podendo ser contos, poemas, resenhas e ensaios. Os interessados em mandar as suas traduções podem escrever para projetoecoslatinos@gmail.com.
Boa leitura!
O ladrão
Autor: Edwin Madrid
Tradução: Maria Eduarda Sousa
EU ESTAVA A DORMIR caladinho, o ladrão abriu a porta com a chave mestra
que têm todos os ladrões. Dormia a sono solto, o sono é uma coisa mais bonita
que um ladrão, mas ele começou a andar em bicos de pés, dobrando a ponta dos seus
sapatos de borracha, não fazia nenhum ruído, imaginava que eu dormia a sono
solto junto à minha mulher, que a meu lado dormia como um enorme pássaro que a
noite tinha surpreendido na sua migração para o sul. Eu, sonhava com um menino
que tinha cabeça de armário, era meu amigo, ria-se quando lhe pedia que fossemos
jogar futebol, o seu riso era o ruído das portas. O ladrão, tinha aberto a
porta do meu quarto. Precatou-se que sonhava num sonho, e de que a minha mulher
dormia como uma andorinha gigante junto a mim. Eu em pleno campo jogando com o cabeça
de armário, que ganhava todas as bolas por alto. Dizia-lhe: nos cantos tens que
subir, e ele respondia: não louco, depois quem fica atrás, não posso regressar
tão rápido. Rapidamente o ladrão fechou a porta, desceu para a sala; ali tirou um
saco no qual cabiam o frigorífico, a televisão, a minha máquina de escrever e,
sobretudo, a bicicleta da minha filha. Mas quando esteve frente ao televisor,
inteligentemente, decidiu comprovar o seu funcionamento, ligou-o justamente quando
no écran aparecia Woody Allen em A Rosa Púrpura do Cairo. Eu
mandava ao cairo o cabeça de armário, por sua culpa fizeram-nos o primeiro golo,
a partida estava-nos a pôr em dificuldades e, em baixo, o ladrão, a morrer de
riso, vendo a televisão mas deu conta que fazia muito barulho, assim tapou a
boca com as mãos e seguiu rindo com a boca tapada. Mão na área, eu vou disse ao
cabeça de armário. Coloquei a bola no sítio e pontapei-a com força, com fé, a bola no seu
voo de andorinha, aninhou-se num costado do arco, devolvendo o sorriso ao rosto
do cabeça de armário, enquanto Woody fazia cara de estúpido porque não compreendia
o que se passava no seu filme, a personagem saía do écran e falava-lhe. A minha
mulher, como um montãozinho de plumas dormindo a meu lado com as asas abertas, uma
bola despejada ao vazio à qual chego rompendo a armadilha do ofside e chuto rápido
um balázio que esbarra na horizontal, o cabeça de armário entusiasmado grita: Essa
é à Madrid! Essa é! O ladrão com o sorriso nas mãos, puxa uma cadeira e
senta-se a ver o filme. A minha mulher sonha que é um formoso pássaro que sai
voando pela janela; eu, quase esgotado pelo tempo que jogo, aproximo-me do cabeça
de armário que suado abre as suas portas e juntos vamos até aos duches. A minha
mulher voa pelo céu do bairro enteirando-se do que se passa em cada uma das
casas. Sinto um jorro de água que me acalma, e ao mesmo tempo, desperta-me com
sede. Acendo a luz, vejo que a minha mulher dorme, docemente, agarrada ao seu
travesseiro. Dirijo-me à cozinha, ao atravessar a sala, o ladrão põe-se em
guarda, e disse-me: deverias continuar a dormir. Respondo: e você não deveria
entrar nas casas a esta hora para ver televisão, ele responde: é verdade,
eu deveria estar a roubar mas o filme está tão divertido que me esqueci ao que
vim, e convida-me a sentar. Woody Allen parece estar enamorado da sua
personagem. Ah! digo: é A Rosa Púrpura do Cairo, sempre passam bons filmes
a esta hora. Olha que não sabia disse-me, o ladrão, amigavelmente. Assim é digo-lhe.
Creio que estão a passar um ciclo de Woody Allen; ontem deram Os Dias da Rádio.
Se é assim terei que mudar de horário disse. Acho que sim, digo, porque parece
muito estúpido que se sente a ver televisão quando deveria estar a roubar. O
que se passa é que esperava um anúncio mas a esta hora não souberam passar. Pois
admira-me que um ladrão tão instruido não saiba, digo. Bom, disse, olha que
não, como a televisão é uma porcaria, nunca imaginei que os bons filmes passem
a esta hora e sem cortes de publicidade. Agora, já o sabe, disse, assim que saia
da minha casa. Eh pá! Disse, não te parece absurdo que me vá de mãos vazias. De
maneira nenhuma, disse-lhe, se leva o conhecimento que os bons filmes passam de
madrugada, não crê que é suficiente. Sim, claro, disse, mas a quem serve,
como posso chegar à minha mulher com o saco vazio. Isso é problema seu, disse-lhe,
nunca vi um ladrão tão torpe. Assim falavamos até que a minha mulher chegou voando,
pousou no espaldar do cadeirão, e começou a gritar como um papagaio: que se passa!
que se passa! O ladrão, admirado de ver a sua plumagem, disse: nada, que em vez
de entrar a roubar, acabei a ver o filme. Ah! Exclamou a minha mulher, olhando
para o televisor, é A Rosa Púrpura do Cairo. Bom filme! E puseram-se a
conversar sobre cinema, diretores e atores, até que amanheceu e apareceu a minha
filha em pijama trazendo uma formosa rosa azul metálico que entregou ao ladrão dizendo:
cortei-a para ti, porque escutei que gostas muito de A Rosa Púrpura do Cairo.
O ladrão, quase envergonhado, pegou-a com um sorriso, pôs-se em pé e disse: é
hora de partir, estou começando a ter sono. Pois raspe-
-se, disse-lhe, pegando na sua bolsa que lhe lancei ao
rosto. O ladrão, abriu de novo a porta e saiu. Ia pensando como a personagem
saía do écran e conversava com Allen. Perguntava-se: haverá filmes, nos quais
depois de roubar, alguém possa sair do écran e confundir-se entre o público? Caminhava
com as suas sapatilhas que à luz do dia eram vermelhas como dois tomates. De repente,
um cão começou a ladrar-lhe obstinadamente, lembrou-se que num dos seus bolsos
levava comida para entretê-los mas quando ia atirá-la, o cão parou firmemente e
disse: O quê! Não dás conta de que sou um cão polícia? O ladrão, cabisbaixo, pegou
mais um pouco de comida e lançou-
-lha, o cão apanhando-a no ar e abanando a cauda partiu.
Que filme tão bom! Que alguém possa entrar pelo écran na casa de Hudson, de
Stallone e roubar-lhes tudo, inclusive os seus gostos sexuais, seguia pensando enquanto
saía da cidade e se embrenhava num desses bairros marginais. Viu que um pássaro
voava e recordou-se da minha mulher, entrou por uma viela onde um bêbado ao passar
ao seu lado, garrafa na mão o saudou: Olá Carlos! Dá um gole. O ladrão, chama-se
Carlos, ou mais conhecido como Carlangas o mago, o que ao entrar numa casa
desaparece com tudo. Novamente um cão cruza-se, o ladrão exclama: Oh! Um cão, e
segue. Na casa da esquina um homem arde em febre. O ladrão observa que dois meninos
fizeram um círculo no chão e jogam lançando bolas, um disse ao outro Estás
morto! E o outro responde Mentira! Recolhendo a sua bola do círculo. O homem da
casa da esquina está doente. O ladrão passa pela sua casa e não sabe que dentro
um homem morre. Chega a uma porta negra e entra. No interior, a sua mulher
ainda na cama, como uma galinha chocando, sobressalta-se ao ver o ladrão exibindo
o seu saco vazio, a galinha abraça-o e diz-lhe que não importa. Esgotado estende-se
sobre a cama, acende o televisor e fica profundamente adormecido.
sonho louco, como todos os sonhos. apetece-me adapta-lo a texto dramático.
ResponderExcluirÉ mesmo, louco como todos os sonhos. E como a Rosa Púrpura do Cairo, que também é um sonho louco.
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